quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Morrer sem ter um colo


Eu sabia que este texto da Luisa Castel-Branco, um dia viria a propósito.

Eu sabia que, um dia, me ia saber bem lê-lo com toda a atenção e que iria retirar dele o conforto que ele me trouxe hoje. Por isso o guardei. E hoje, até parece de propósito, caiu de novo nas minhas mãos.

Coincidências?

Talvez!

“Nunca ninguém me pegou ao colo, me embalou, tomou conta de mim e me levou para os seus.
É assim que vou morrer, sem saber o sabor da acalmia da mente, da alma, como uma praia infinita de areia branca e águas transparentes, uma floresta de múltiplos verdes em que o vento deposita uma dança maravilhosa, numa melodia impossível de descrever.
Vou morrer virgem de tantas coisas, de tantos sentimentos e sensações que nunca provei, que não sei como são.

Se o destino existe, e se ele se prende com reencarnações sucessivas, a essa e a outra que virá um dia eu desejo a paz de espírito, sem assombros de fantasmas da infância, sem o peso de todas as responsabilidades e principalmente sem esta lucidez que, como um espelho gigante e multifacetado, mostra-me clara e nitidamente os meus erros, omissões e faltas. Tenho saudades do que não conheço, mas que revejo na vida dos outros.

Tenho pena desta minha experiência, desta passagem pela vida, tão imperfeita, tão pouco tantas coisas e tantas outras.

O irónico é que, desde que me lembro de ser gente, sonhei com esse colo, esse abraço protector, esse escudo contra o medo, as tempestades, os desgostos ridículos e as amarguras de lágrimas de raiva e sangue.

Sonhei-o, a esse meu cavaleiro andante. Nada de especial, nada de fantástico. Apenas alguém suficientemente bom, inteligente e capaz de me amar como sou, de me conhecer para além do óbvio e de me cuidar, como se fosse um pedaço de jardim, um livro antigo ou uma peça sem outro valor senão o da saudade.”

Destak/Instantes/Luisa Castel-Branco

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