Falua no Tejo
O rio é negro e nem de espuma um claro o esmalta,
Que a noite é negra e um negro incauto encobre a Lua;
Apenas uma vela em mastro de falua
De tanto negro, negro, em tanto alvor, ressalta.
De lume fátuo, incerto, onde o contorno falta,
Assim no escuro da alma uma ilusão flutua;
O enxame da cobiça em torno tumultua,
E a fantasia, entanto, aspira a luz mais alta.
Fazendo volta ao mar, voltar-me a noite bela
Das auras bem pudera o cântico em surdina,
Que as nuvens extravia e os sonhos maus debela.
E, rota da luz a luminosa mina,
Eu vira, em meu transporte, altiva, a branca vela,
Correr, sorrir, brilhar no ardor da tremulina.
(D. João Gonçalves Zarco da Câmara (n. em 27 Dez. 1852 em Lisboa; m. 2 Jan. 1908)
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