sexta-feira, 23 de abril de 2010

Desordem


Já me tinha esquecido desta sensação estranha de acordar e sentir que não sinto nada, mas que perdi tudo, que não há dor em mim, mas que dói tudo. Que perdi o mundo mas que ele está igual, de não saber qual é a diferença, mas que ela é abismal. E de repente abrem-se os olhos, a consciência entra e sente-se um vazio enorme.

A nossa memória não foi educada para abarcar nomes, histórias de família, parentescos, receitas de cozinha, mezinhas caseiras para tirar nódoas, os rios e afluentes, os caminhos de ferros do país, os brasões e títulos, catequese à séria, incluindo mandamentos e mandamentos, Rosários e terços completos, as consagrações, as Salve Rainhas, todos os Mistérios do Rosário, usos e bons costumes, etiqueta, protocolos caseiros, um bem estar à mesa durante horas a fio a ouvir historias de grandes, todas estas coisas e muito mais.

Para isso contávamos com as mentes brilhantes dos nossos progenitores e de repente esses braços onde nos encostávamos caem e deixam-nos desamparados e por nossa conta. Apercebo-nos de que, com esses braços, foram metade das nossas raízes e historias que apesar de nos deixarem viver o dia-a-dia empobrece-nos e deixa-nos debilitados, desfalcados.

Fisicamente não se sente, de facto não foi a nossa inteligência e a nossa mente que partiu, mas sim o nosso apoio, a nossa historia, a nossa referencia, a nossa consciência, aquele grilinho falante atrás da nossa orelha,aquele mar de conhecimentos que nos estava anexado e que perecia que fazia parte de nós. E, de repente esse anexo não está mais. Aprender a viver sem ele é desconcertante, a desordem instala-se por tempo indeterminado até que um novo equilíbrio se instale. O pior e que estes anexos não param quietos e vão partindo desorientadamente e o equilíbrio começa a ser difícil de manter.

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