quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Coisas da vida


Um dia uma tia minha, escritora, leu umas coisas que eu escrevi e disse que gostou de ter lido. Falou pouco e a crítica foi mais ou menos, e do que me lembro, que eu tinha uma escrita de leitura fácil, tipo Margarida Rebelo Pinto, e rematou – Está muito na moda!

Fiquei a matutar. Não percebi se foi uma crítica boa ou má. Ou por outra, percebi sim. A crítica foi uma boa crítica, só não sei se gostei de a ter ouvido ou se preferiria ter ouvido que o meu estilo de escrever era francamente mau.


Não pretendo ser escritora de forma alguma. E se tiver, algum dia, uma dessas pretensões internem-me por favor. Tal como esta minha Tia disse, eu não tenho competências nem apetências para o assunto. Tenho só a mania de escrever tudo que me vem à alma e às vezes à cabeça.

É uma mania que tenho de pequenina, gosto de pôr preto no branco o que penso e essencialmente o que sinto. Geralmente para mim e não para os outros. Não escrevo nunca para me ouvirem, muito menos para me sentirem. Não escrevo porque tenho veia ou inspiração, sabedoria ou vocação. Escrevo porque preciso e já agora porque percebi que houve alturas em que me soube bem saber que não estava sozinha com os meus botões, com os meus sentimentos, com a minha agonia, com as minhas dores. Havia alguém, algures que já tinha sentido também e eu li.

Este foi um dos textos de leitura fácil que me soube bem ler em várias alturas da minha vida:

"Às vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não responder, a falar sem nada dizer,
a esconder o que mais queremos mostrar, a dar sem receber, sem cobrar, sem reclamar.
Às vezes é preciso respirar fundo e esperar que o tempo nos indique o momento certo para falar e então alinhar as ideias, usar a cabeça e esquecer o coração, dizer tudo o que se tem para dizer, não ter medo de dizer não, não esquecer nenhuma ideia, nenhum pormenor, deixar tudo bem claro em cima da mesa para que não restem dúvidas e não duvidar nunca daquilo que estamos a fazer.

E mesmo que a voz trema por dentro, há que fazê-la sair firme e serena, e mesmo que se oiça o coração bater desordeiramente fora do peito é preciso domá-lo, acalmá-lo, ordenar-lhe que bata mais devagar e faça menos alarido, e esperar, esperar que ele obedeça, que se esqueça, apagar-lhe a memória, o desejo, a saudade, a vontade.

Às vezes, é preciso partir antes do tempo, dizer: aquilo que mais se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e prepará-la para um futuro incerto, acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto, apertar as mãos uma contra a outra e rezar a um Deus qualquer que nos dê força e serenidade. Pensar que o tempo está a nosso favor, que a vontade de mudar é sempre mais forte, que o destino e as circunstâncias se encarregarão de atenuar a nossa dor e de a transformar numa recordação ténue e fechada num passado sem retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim.

Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito. Somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil, mais simples, mais leve, melhor.

Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo a baixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar tudo borda-fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo.

Às vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar, não ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio, paz e sossego, sem dor, sem tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar, mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.

Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo que não haja caminho porque o caminho se faz a andar, o sol, o vento, o céu e o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então esquecer."

Margarida Rebelo Pinto

2 comentários:

Mike disse...

Curioso... hoje escolhi como título "coisas da vida". E não estou a desconversar. Adiante... era para dizer que às vezes é preciso ter saudade para navegar pelos sítios que gostamos. ;-D

sum disse...

Óh Amigo Mike, quem estava com saudades suas era eu :))) Isto tem estado muito calmo por estas bandas sem si por ai! Digamos que enfadonho mesmo! (risos) Sempre simpático! :D