Que bom que é quando as coisas são assim simples e se resolvem simples assim também.
É bom acreditar, sonhar e fazer de conta que é possível... mesmo sabendo que o ser humano quando crescido, é muito mais complicado do que isto. Os porquês parecem ser muito mais importantes do que qualquer outra coisa.
Ainda sou do tempo em que fazer coisas diferentes significava que se era completamente maluco, ou comunista ou hippy ou avariado, ou assim …
Dantes não havia instalações no meio das ruas, as decorações era clássicas, havia poucas coisas arrojadas e as poucas que havia eram olhadas com desdém, com medo, com uma certa curiosidade escondida. Pelos mais tradicionais, os ditos “Velhos do Restelo”, eram vistas como afrontas, provocações e outras coisas que tais.
Hoje tudo é permitido, até as coisas mais chocantes, como um cão a morrer à fome à frente de toda a gente, sem que nada se faça. Chega a ser cruel, feio.
Por outro lado tanto arrojo leva-nos a abrir horizontes, a despir de preconceitos, a distinguir os nossos gostos, a abrir a curiosidade, a picar a criatividade.
Ver coisas diferentes ilumina-nos o espírito, faz-nos esquecer as mágoas, tira-nos a dor. Ver coisas diferentes lava-nos a alma.
Ponto alto do dia ser dar sangue até a mim me faz rir. Mas é verdade. Foi mesmo o ponto alto do dia, da semana ou até mesmo do mês.
É uma história que já vem de longe e que vem sendo alimentada ao longos de todos estes anos por variadíssimos veredictos desfavoráveis.
Em tempos os meus tios e o ,eu Pai pediram-me para dar sangue. A minha Avó de Pai estava muito doente e precisava de uma transfusão. Segundo parecia o meu sangue era compatível com o dela. Acontece que depois de análises, questionários, assinaturas, etc, o médico optou por não me deixar dar o meu contributo.
Ao que consta, um antibiótico tomado foi o culpado. Este episódio teria corrido mais ou menos bem, não fosse a minha Avó ter morrido por essa altura sem ter feito a transfusão.
Ora, não que me sinta directamente culpada mas lá que fiquei com uma comichão atrás da orelha, não posso negar.
A partir daí tentei inúmeras vezes dar sangue, mas nunca fui aceite, por esta ou por aquela razão. Comecei a achar que era a minha sina, querer tanto e não conseguir. A minha frustração foi crescendo, até que um dia decidi, cheia de convicção, ser dadora de qualquer coisa. Dirigi-me ao banco de dadores de medula óssea. Sorte das sortes, depois da parafernália de perguntas e exames, lá me acharam apta e fiquei registada no banco. Que orgulho que eu senti de mim!
Dar sangue tornou-se num assunto tabu.
Até que um dia, numa das muitas iniciativas da minha empresa, apareceu uma equipa do Instituto Português do Sangue para fazer recolhas. A medo aproximei-me, mais uma vez respondi à catrefada de perguntas exigidas, sujeitei-me aos exames impostos e fui à consulta obrigatória ouvir o veredicto final. Para meu espanto a médica disse que eu estava apta para ser dadora. Fiquei momentaneamente sem reacção, meia incrédula e com os olhos cheios de lágrimas. Finalmente tinha conseguido. Nesse dia, verdadeiramente feliz, festejei, sozinha mas festejei.
Hoje voltou a acontecer. Foi com orgulho que me deitei naquelas camas e assisti, nervosa, a todo o processo, do princípio ao fim, sem fechar ou desviar os olhos.
Fiquei de boca aberta. Até agora ainda não percebi o que aconteceu, só sei que aconteceu. Fiquei bem à vontade uns 5 minutos a olhar para o computado sem reacção. Acho que não fiquei irritada, nem triste, nem zangada. Fiquei simplesmente admirada. Aceitei e pronto. Fechei o computador, bebi um copo de água e deitei-me. Tudo isto sem pensar.
Hoje deu-me a ressaca. O texto estava engraçado. Sério, cínico, sentido. Deu-me uma trabalheira a construir. Bem sei que para mim não é fácil escrever uma frase, quanto mais um texto daqueles, todo composto, grande e cheio de tudo o que tenho para mostrar, construído sabe-se lá com que inspiração, relido e aceite pela crítica mor e reconhecido como um texto que não foi escrito por mim mas sim pela Sum.
Pois é, hoje nem vou tentar inventar e reconstruir o que não tem reconstrução possível. Se assim aconteceu, foi porque tinha de acontecer e quem sabe o texto não tinha mesmo de ser publicado ou melhor não deveria sequer ter sido escrito. Há coisas que não devem ser mexidas. São o que são, onde são.
E digo isto e escrevo isto porque acredito plenamente que as coisas acontecem porque têm de acontecer, doa o que doer. As explicações um dia aparecem.
Nem sempre as mortes são pacíficas. Há umas que são prematuras. E quando assim é, torna-se bem mais difícil de aceitar e o luto demora muito mais tempo.
Eu sei que “nada dura para sempre”, esta é uma máxima que sei ser certa.
Por um lado é bom, porque dá espaço para outras coisas entrarem, por outro lado deixa uma saudade imensa e às vezes um vazio grande que demora a ser preenchido.
Mas “devagar se vai ao longe” e “grão a grão enche a galinha o papo”.
E depois de ler o que escrevi, subi a um banco olhei para baixo e cheguei à conclusão de que não posso ser mais ridícula. Visto daqui de cima, tudo me parece caricato. Desde o que me vai cá dentro até às minhas próprias palavras. É claro que as máximas são máximas, é claro que as mortes prematuras são mais sofridas, é claro que todos passamos por algumas coisas menos boas nesta vida, é claro que todos nos sentimos sozinhos em determinadas alturas dos nossos percursos. Nada mais óbvio e mais certo. Porquê então o queixume? Afinal o que é a vida? Não será tudo isto. De que me queixo eu? De viver?
Afinal só chegamos onde queremos ir. Só nos metemos onde queremos. Acreditar ou não acreditar, faz parte do espólio de quereres. Às vezes oiço dizer e eu já o disse também em várias ocasiões, que são precisos dois para as coisas acontecerem. Mas cheguei à conclusão de que não é verdadeiro. É preciso só um para sonhar e andar sobre as nuvens, só um para destruir o sonho e cair cá em baixo com um daqueles estrondos que assustam quem vai a passar, só um para lutar, só um para acreditar, só um para se desiludir, só um para avançar, só um para desistir, só um para chorar, só um para se rir, só um para vencer, só um para ser vencido.
Não há ganhar e perder. Ou se perde ou se ganha. Afinal somos só um para o que der e o que vier.
Há 9 anos atrás por esta altura já eu estava num quartinho de hospital, muito arranjadinho e arrumadinho, pacientemente à espera dos últimos momentos de uma gravidez super esperada e querida. Estava para nascer a minha periquita pequenina.
Este nascimento foi diferente de tudo o que eu já tinha passado antes, apesar de ser a terceira e de tudo o que eu estava à espera. Não tive de esperar pela dilatação estipulada para ter epidural, por isso depois de umas horas de aperto, lá veio o meu descanso. Nessa altura o resto da dilatação fez-se a par e passo com conversa e visitas, entradas e saídas de amigos, pais, médicos e enfermeiras, até um estafeta profissional de entrega de flores entrou para me entregar um ramo de flores lindo de morrer enviado pela minha mãe. Um verdadeiro reboliço.
Em plena cavaqueira, passamos umas largas horas de ansiedade e nervosismo. A peste só nasceu as 8 da noite. Um dia inteiro, para no fim acabar numa cesariana. Tudo se passou em dois minutinhos que me pareceram eternidades. É tão estranho ter um estranho nos braços que eu senti durante 9 meses. Ainda dizem que não tem graça saber o sexo da criança porque tira o efeito surpresa. Surpresa é aquela carinha, as mãozinhas, a perfeição em ponto pequenino, o cabelo espetado e o génio já espelhado nos olhos que se abriram para mim. É de não esquecer nunca mais, é o sentimento mais forte que um dia já experimentei. Um misto de alegria esfuziante com medo de não conseguir ser tudo aquilo que aquela criança espera de mim. Apesar de tudo foi a altura da minha vida em que me senti mais forte. Por aquela coisa pequena eu seria capaz até de matar. Eu e ela, ela e eu, uma parelha inseparável e à prova de fogo. Acho que nestas alturas os maridos sentem ciúmes. Mas têm toda a legitimidade para o sentirem. É de facto um momento só nosso. Ninguém entra. Depois, com o passar dos dias a coisa vai-se esbatendo, e tudo entra na normalidade.
Maravilha, é a palavra que encontro para descrever cada nascimento que saiu de mim. Hoje olho para os meus 3 matulões e vejo cada momento que passamos juntos, cada trinca de amor que lhes dei, cada história, cada passo. Até aos 4 anos estas criaturas foram exclusivamente minhas e só minhas. Hoje olho para trás e não sei como aguentei tantas noites não dormidas, tantas birras, tantas horas de preocupação, tanta energia, tanto cuidar, tanta atenção a dar, só mesmo o amor que lhes temos é capaz de tanto.
Uma conversa, um sorriso, uma carta, um ramo de rosas, um copo de vinho, uma mensagem…
O que é agora, não o é daqui o bocado.
Hoje tive essa sensação. São coisas que nos arrancam sorrisos e que nos tocam na alma, mas que no minuto a seguir o medo nos manda esquecer, guardar, passar por cima tão rapidamente quanto possível.
Crescer tem destas coisas. Quando se acredita, as coisas são eternas. Quando se deixa de acreditar as mesmas coisas tornam-se efémeras. Assim como quando se acredita guardam-se recordações no coração, quando se deixa de acreditar guardam-se armas de arremesso.
"Raramente é fardo leve
a vida, com o seu lento
curso dos dias iguais,
mas também de nada serve
a tentação do lamento:
nós podemos sempre mais
do que supomos poder.
O segredo está em querer
ir para além dos sinais
e, dispensando o travão,
optar pela transgressão."
Hoje acordei a pensar no que são quereres e vontades e quais são uns e quais são outros, que diferenças existem entre uns e outros, de onde vêm, porque vêm, porque nos fazem sentir tantas coisas contraditórias, porque não se entendem, porque é que têm de ser diferentes?
Acordei irritada e quase a gritar “CALA A BOCA PENSAMENTO, OU ENFIO-TE UMA FACA!” Deixa-me pelo menos dormir descansada.
Já falei tanto sobre isto que já chateia. Não gosto de estar sempre a pensar nas mesmas coisas. O certo é que eles não me saem cá de dentro…
O Sonho dizia-me que existem “queres” contraditórios. O que queremos de coração e o que queremos de razão. Ambos são quereres. Os que nos dizem sê razoável não vás atrás e os que nos impelem para a “desgraça” e dizem luta pelo que queres.
Só que uns são inimigos dos outros. Uns dizem sai, outros dizem fica. Uns arranjam desculpas para sair, outros álibis para ficar. Fica deveras complicado decidir qual dos dois podemos seguir, já que um não é compatível com outro. Às vezes ficamos tempo demais a acreditar no que não é! E, a ajudar temos sempre os indicadores externos.
O facto é que já vi muita coisa e sei o que não QUERO ver em mim, mas também sei que não QUERO ser orgulhosa a ponto de perder aquilo que poderia ter, como já aconteceu tantas vezes.
Verdade verdadinha é que sei, de antemão, que o primeiro sai sempre a ganhar porque uma das coisas que não QUERO ver nem ser é “pedinte”. Não QUERO ser, nem vislumbrar qualquer coisa que se possa parecer com isso. Não QUERO nem sequer essa coisa perto de mim, nem ligado a mim, seja de que forma for, seja no que for ou de quem for. Só a ideia me repudia, mete-me nojo, arrepia-me. Não suporto a ideia de “pena”. É de todos os sentimentos aquele que mais me aterroriza. É perca total de dignidade. Este é um querer meu muito, muito, muito forte. De tal maneira forte que às vezes é doentio. Na dúvida retiro-me e fecho-me.