segunda-feira, 14 de maio de 2012

Mudança



Parece impossível, ainda ontem estive a pensar no tanto que mudamos ao longo dos anos sem dar por isso. Passo a passo é imperceptível. Esta mudança só se torna visível quando voltamos atrás no tempo. Quando vimos fotografias de outrora, lemos diários, cartas ou outras coisas que tais que nos projetam para tempos idos. Aí sim conseguimos ver as diferenças que se operaram e notar o peso e o tamanho da mudança.
A verdade é que a verdade muda todos os dias pela carga de conhecimento que obtemos diariamente. Este processo é geralmente um processo silencioso mas muito profundo.
Muda-nos a vida, muda-nos a maneira de pensar, a forma de agir. Muda-nos os quereres e as vontades, muda-nos a mentalidades e como tal muda-nos a forma de ver o mesmo objecto, a mesma paisagem, o mesmo canto da sala. 
A carga emocional que pomos em cima de cada coisa, faz com que essa coisa deixe de ser a mesma. E quem diz coisas diz pessoas. 

"A Verdade é um Modo de Estarmos a Bem Connosco
Cada época, como cada idade da vida, tem o seu secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio. Por ele sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse equilíbrio? Que é que o constitui? O destrói? Porque é que se não rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos?   (Rebentámos nós, aqui há uns meses, em casa dos Paixões, ao ler um jornal de 186...). Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a moda que há anos usámos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo como no espírito, um equilíbrio de tensões. Só que as do espírito, mais do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o espírito, mete-se-lhe uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso mecanismo sem que lhe rebente as estruturas. Ou: a coerência de seja o que for com o nosso equilíbrio espiritual. A verdade é um modo de estarmos a bem connosco. Mas é um mistério saber o que nos põe a bem ou a mal. Os anúncios de há cem anos eram ridículos porque sim. Nos meus escritos de há anos, mesmo nos ensaios, aquilo de que me separo não são muitas vezes as ideias, a argumentação, mas um certo modo de se olhar para os argumentos, os problemas, um certo nível humano de encarar as coisas. Leio um ensaio de há vinte anos e sinto que eu tinha menos vinte anos. Há um nível etário para a mesma verdade nos existir. A verdade de que falei há vinte anos é-me exatamente a de hoje; e todavia há um desfasamento no modo como corri para ela e me entusiasmei com ela e me comovi com ela. Tudo agora me acontece ainda mas num registo diferente. Não é em si que as verdades envelhecem: é com as rugas que temos no rosto e na alma."
Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 2"

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