quinta-feira, 17 de março de 2011

Eu que me Aguente Comigo


"Eu que me Aguente Comigo

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim."

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Musicas que me tiram do sério


Otis Redding-Sitting on the dock of the bay

terça-feira, 15 de março de 2011

Ser ou não ser


Já estou baralhada só de pensar no que estou a querer escrever


Ora a ver se me entendo.

Desde que acordamos até que nos deitamos não fazemos outra coisa que não escolhas. Escolhas para trás, escolhas para a frente. Escolhas a cada segundo que mexemos os olhos, os pés ou mesmo a cabeça. Escolha das palavras, das pessoas com quem falamos, com quem estamos, do que queremos, do que podemos...

Umas das escolhas são mais pensadas que outras ou melhor, umas são intrínsecas ao nosso estilo de vida, outras são contra os nossos ritmos, logo umas não exigem o que pensar ou muito pouco, outras implicam decisões complicadas que nos obrigam a sair de nós muito mais do que aquilo que sabemos e podemos.

Tudo isto, veio a propósito de uma conversa que me apetecia ter e achei que não podia.

Em condições normais de ontem nem teria pensado, era dado adquirido. Nas condições de hoje a conversa não teve lugar. É a famosa frase “quem casa não pensa, quem pensa não casa.”

Chega a ser triste quando se pensa. O que se tinha e o que se tem, o que se vive e o que se deixa de viver.

O que nos faz retrair? O que nos faz avançar? O que nos faz ter confiança e acreditar? O que nos desilude e nos faz esconder? O que nos desassossega?

A sensação é de que quando a mentira ou o esconde-esconde começa, nada fica igual para sempre.

O jogo é este: Sê, enquanto podes, porque logo logo tens de representar forte e feio, e como é bom ser-se como se é!

Serão escolhas?

Só existem dois caminhos: Ser ou não ser, eis a questão. Já dizia William Shakespeare

domingo, 13 de março de 2011

domingo, 6 de março de 2011

Desordem


Às vezes olho para dentro de mim e pergunto-me porque é que as coisas acontecem como acontecem, porque é que as coisas têm de ser como são, porque será que não conseguimos mudar o rumo dos acontecimentos, porque não temos coragem para dar a volta e continuar a ser o que sempre fomos. Porque é que temos de nos conter, porque é que não podemos deixar que as nossas emoções se soltem e sigam os seus trilhos, que o nosso coração se abra e abrace as suas causas, porque é que as palavras têm de ficar trancadas, os pensamentos retidos. Porque é que não dizer o que nos vai na alma magoa tanto.

Não gosto mesmo de ter medo das pessoas de quem gosto. Odeio não conseguir perceber se sou bem-vinda ou se sou um peso difícil de aturar. Odeio perceber que a camada de insegurança é tal, que as coisas deixam de ser feitas com o coração e passam a ser feitas com a razão, ou melhor, deixam de ser feitas, “tout court”. Odeio perceber que os meus ombros se encolhem e que a tensão e a ansiedade se acumulam sempre que me deparo com estas situações. Odeio não ser forte, odeio sentir-me actriz a desempenhar papeis que não são os meus. Odeio pensar uma coisa e não dizer.

Odeio quando me sinto assim.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Acordar em Serpa é um Sonho Bonito


Que sossego! Que bom que é acordar sem pressa para nada e ouvir galos, pássaros, pica-paus, cascos de cavalo a trotar, o cata-vento a ranger. Que bom que é fechar os olhos novamente e, sem pressas, voltar a adormecer embrulhada em sonhos cheios de todos estes barulhos e outros tantos. Que bom que é encontrar nestes sonhos as cores fortes do campo, as misturas sem preceito de todas elas sem qualquer preocupação estética. Que bom que é ter sonhos cheios de boa disposição e bem-estar. Que bom que é sentir paz interior, respirar fundo e calmamente sentir que a respiração, finalmente, tem o mesmo ritmo que os pensamentos e que os estados de ansiedade diminuem a cada minuto. Que bom que é sentir o cheiro quente das flores durante o dia e o fresco do anoitecer. No Alentejo a noite cheira a estrelas o dia cheira a sol. É muito característico desta minha terra a mistura do quente e do frio, nota-se nos cheiros, no corpo, nas cores. Não há nada como acordar por aqui.